A Nação Brasileira, por exemplo, é uma entre tantas outras nações do
dito Terceiro Mundo que, talvez com menor êxito que na nossa, há séculos
são mantidas sob estrito controle por uma discretíssima elite
intelectual, econômica, financeira, étnica e regional.
Controle em que sentido? No sentido mais óbvio em um país com tanta
injustiça social: o controle da revolta de um povo que, em parcela
expressiva, ainda se vê privado de um mínimo de igualdade de
oportunidades e, portanto, de esperança.
Já foi pior, mas ainda nos falta muito para dizer que o Brasil já é
um país justo. A apropriação de renda por setores minúsculos da
sociedade, como mostra nosso coeficiente de 0,5 no índice de Gini, é
absurdamente perversa.
Não vou ficar me estendendo sobre como a vida ainda é dura no Brasil
tanto nas cidades quanto no campo. Quem não souber disso não pode ser
daqui. Concentremo-nos em como fazer dezenas e dezenas de milhões de
brasileiros não se revoltarem com tal situação.
Para manter toda essa gente no limite da lei – em certa parte, muito
perto desse limite e, em parte bem menor, além dele – requer-se alguma
forma de controle não tão dura quanto no tempo da ditadura, mas ao menos
inclemente em termos de intensidade e recursos.
Legiões de brasileiros não têm vida própria, sobretudo nas grandes
cidades. Tornamo-nos máquinas a serviço do capital e da nossa própria
subsistência em um mundo em que tudo custa muito dinheiro.
Tomemos como exemplo uma cidade como São Paulo, habitat deste que
escreve. Uma parcela descomunal desta população não tem mais do que
alguns minutos para si nos dias úteis, espremida entre o horário de
trabalho e deslocamento de ida e volta a ele e a hora de dormir.
Como manter tanta gente entretida para que, em dado momento, não
“surte” ou caia em profunda depressão, tornando-se “economicamente
inativa”?
O segredo está nos meandros da mente humana. A vida precisa, se não
de um objetivo, ao menos de um alívio diante da adversidade. Mas não só.
Precisa de grandes causas. E não precisam ser grandes na importância
intrínseca, mas, ao menos, no número de adeptos.
O futebol, por exemplo. Que importância tem para além de nos ter
projetado no mundo como um país de garotos habilidosos com uma bola?
Nenhuma, claro. Não chega a engradecer uma nação que legiões de jovens
pobres apostem no esporte como um dos principais meios de ingresso em
uma vida melhor, ao lado da música popular.
Oxalá fôssemos um país que se notabilizasse pelos jovens que se
destacam em áreas importantes do conhecimento ou como campeões nos
estudos em nível mundial. Na falta disso, sobra-nos o futebol.
Fama, fortuna, mulheres… De repente, um garoto que até alguns anos
antes vivia em uma comunidade paupérrima, torna-se milionário. Muitos
sucumbem.
Muitos, aliás, não. São poucos os que chegam a obter tanto.
Pouquíssimos. Mas isso não afasta legiões imensas de candidatos a
“craque”. A fartura de candidatos, aliás, é o que nos permite localizar
tantos “gênios” da bola.
Muito provavelmente, se este país oferecesse outras oportunidades tão
atraentes em áreas em que mais de nós pudessem ter chance, talvez
aparecessem menos craques de futebol.
E como se leva esse esporte a sério, no Brasil. Aliás, há que dizer
que, viajando pela América Latina e por países europeus ao longo da
vida, sempre ouvi nos dizerem “fanáticos”.
E não somos? Não me refiro a brigas em Estádios, porque essas há em
qualquer país. Refiro-me a casos como o de um rapaz que pediu demissão
para acompanhar seu time em uma final de campeonato no exterior ou do
pai de família que tira do sustento dela para gastar indo a jogos de
bola em Estádios.
Exaltar a sexualidade do povo também lhe dá um bom motivo para viver.
Dos programas de televisão em que o ideal feminino para milhões de
meninas aparece como o de se tornar um pedaço de carne desfrutável sob
estereótipos de beleza ao alcance de uma ínfima minoria de mulheres ao
cume da erotização de uma sociedade, inclusive em seus estratos mais
jovens, com o Carnaval.
Há pouco, pelas ruas do Brasil, vimos milhões de brasileiros alegres,
parecendo ser as pessoas mais felizes da Terra e, o que é mais irônico,
sendo, em realidade de grande parte, pessoas muito pobres e às quais
falta o básico ou um pouco menos do que o básico.
Pessoas paupérrimas chegam a despender recursos que lhes fazem muita
falta comprando fantasias para sair em escolas de samba de modo a
mergulharem na viagem imaginária de riqueza, glamour e fama que o
Carnaval propicia.
Finalmente, há “calmantes sociais” para os mais pacatos, tais como
novelas ou cultos religiosos, com a diferença, entre estes, de que um
distancia o paciente de sua própria vida e o outro o aproxima dela e lhe
dá esperança de dar a volta por cima “pela Graça de Deus” ou, então, o
faz se conformar com a “Vontade Divina” de que seja tão pobre.
Diante de tantas opções não sobra tempo para exigir justiça social ou
procurar saber o que aqueles que elege para melhorar sua vida estão
fazendo por essa causa. É bem menos chato mergulhar em tudo que o Brasil
oferece para amortecer consciências.
Eduardo Guimarães
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