Um retrato do abandono do ensino público no Brasil foi exibido ontem à
noite, no programa Fantástico, da Rede Globo. A reportagem flagrou a
situação precárias de escolas públicas em Alagoas, em Pernambuco e no
Maranhão. São escolas sem água potável, sem banheiro e até sem sala de
aula. Durante dois meses, os repórteres Eduardo Faustini e Luiz Cláudio
Azevedo percorreram escolas públicas dos estados que tiveram as médias
mais baixas no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa).
“Tem aluno que até cai da carteira, principalmente os menores, da
educação infantil”, diz uma moradora de Codó, no Maranhão. “Quando temos
a necessidade de irmos para o banheiro, nós vamos para o mato. Os
alunos e a professora”, afirma uma mulher.
O que a reportagem
mostra são escolas em que falta tudo, escolas que nem de longe lembram
uma escola. O que não falta é a força de vontade de alunos, professores e
pais que sofrem com as péssimas condições de ensino. Sofrem e ficam
indignados.
Na mais recente pesquisa brasileira do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), esses estados estão
entre os que tiveram as notas médias mais baixas. Os repórteres do
Fantástico passaram dois meses registrando as condições de escolas
nesses estados.
Em Codó, no Maranhão, o André e o primo dele, o Eduardo, são vaqueiros de manhã. De tarde, caminham 35 minutos até a escola.
Por lá, falta quase tudo. Não falta carinho. “Vocês são guardado no
lado esquerdo do meu coração. Então, sejam bem-vindos mais este ano que
nós temos aqui para trabalhar, para melhorar, para ver os nossos
acertos”, anuncia a professora.
A escola municipal em Codó, no Maranhão, se chama Divina Providência e espera providências há muito tempo.
Fantástico: Há quanto tempo essa escola está assim? Do jeito que está assim hoje.
Deusdet Oliveira Matos (comerciante): Está com mais de 15 anos.
O Deusdet é um comerciante que construiu a escola há 50 anos e, do jeito que pode, continua tomando conta dela.
Deusdet
Oliveira Matos: Quando está gotejando, eu vou, tiro a goteira. Agora,
esse ano eu ia fazer essa parede de tijolo, mas ainda não fiz.
Fantástico: O que leva o senhor a cuidar dessa escola?
Deusdet
Oliveira Matos: O espírito de humanidade, para poder auxiliar os filhos
dos moradores a não se criarem analfabeto. “O piso da escola não é
adequado para o tipo de carteira, porque as carteiras, como é você pode
ver, é um cano. Então, elas afundam no chão. E aí tem aluno que até cai.
Aí chora, devido ao chão batido, que aqui não sabe se aqui é uma
subida, ou ali é uma descida. É um desnível total. Porque aqui era uma
casa de moradia. Era uma pessoa que morava aqui. Aí montou essa escola
aqui para eles”, conta Rosa Maria Pereira Cunha, professora em Codó, no
Maranhão.
As escolas visitadas pelo repórter Eduardo Faustini
ficam em regiões bem quentes. Nas salas, todo mundo se queixa do calor.
“É quente. No calor não tem quem suporte”, reclama a aluna Mayara Nunes
de Alencar, em Petrolina, Pernambuco. Em outras escolas, um, dois ou um
monte de ventiladores, nada resolveria, porque elas não têm energia
elétrica.
Rosa Maria Pereira Cunha (professora em Codó, no Maranhão): Quando chove, fica escuro.
Fantástico: Não tem luz.
Rosa Maria Pereira Cunha: Tem não. Não tem luz.
Como beber água nessas condições? E como fazer a merenda?
“Para
beber água, a gente pega água com a dona da terra. Pega uma garrafa de
água e trago para cá, porque também está faltando filtro”, conta a
professora Eliete de Araújo Lobes.
“Geralmente a merenda só
aparece de maio a junho. Geralmente é nesse período que a merenda
aparece”, diz uma funcionária de uma escola na cidade de Codó, no
Maranhão.
“Custa a chegar. E quando vem, a gente se junta lá com a
vizinha aqui, que me ajuda demais, e aí a gente faz a merenda para
essas criança. E, quando não, eles comem fruta da estação. Desse jeito”,
conta a professora Maria do Amparo dos Anjos.
Essas escolas
passam por inúmeras dificuldades. Para muitos professores, a situação é
mais difícil ainda, porque eles têm que dar aulas para várias turmas ao
mesmo tempo. É o chamado ensino multisseriado, bastante comum no Brasil.
Algumas
das escolas mostradas na reportagem oferecem aos alunos menos do que o
mínimo do mínimo. Uma escola com infraestrutura elementar tem que ter
água, banheiro, esgoto, energia elétrica e cozinha.
Quase metade das
escolas brasileiras é assim. São 87 mil ou 44,5% do total de escolas no
país, segundo estudo feito por pesquisadores da Universidade de Brasília
e da Federal de Santa Catarina.
“Escolas com estrutura precária
em geral são escolas municipais e muitas dessas escolas são rurais. Se
nós pegarmos escolas que atendem alunos com um nível socioeconômico
equivalente, as que têm melhor estrutura tendem a oferecer melhor
resultado”, diz José Joaquim Soares Neto, pesquisador da UnB.
A
escola com a infraestrutura adequada tem sala dos professores,
biblioteca, laboratório de informática, quadra esportiva e parque
infantil. Conta também com acesso à internet e máquina de cópias. E a
escola com infraestrutura avançada tem tudo isso e ainda laboratório de
ciências e instalações para estudantes com necessidades especiais.
Das
195 mil escolas brasileiras, pouco mais de mil são avançadas. Isso
representa 0.6% do total. “Em geral, essas escolas estão em regiões como
Sul e Sudeste”, completa o pesquisador.
Diante disso tudo, o que é
que leva todos esses brasileiros, alunos, professores e também os pais,
a seguir em frente? O professor Elias Ferreira da Silva passou por
algumas dessas situações que você acabou de ver, chegou à universidade e
hoje dá aula na Escola São José, em Alagoas, aquela dos alunos que
precisam do caminhão para ir à aula. “É justamente essa vontade que eles
têm de um futuro melhor que fazem ele ter essa força de sair 30
quilômetros, 20 quilômetros, 15 quilômetros, para chegar até a escola”,
destaca Elias Ferreira da Silva.
OUTRO LADO – A
Prefeitura de Codó, no Maranhão, diz em nota que vem melhorando a
infraestrutura das escolas rurais. Afirma que, nos últimos cinco anos,
foram construídas e equipadas 150 novas salas de aula. E que está
prevista a construção de mais 28 escolas nos próximos 2 anos.
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